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Cartas da Mata Atlântica - Sobre conchas e pinturas - André de Meijer

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lange-capaCartas da Mata Atlântica, por André de Meijer 
Boa leitura! 
abraços 
Fernando C.Straube 
______________________________ 

Carta X. Frederico Lange de Morretes 

Teses e dissertações universitárias nas ciências exatas costumam ser meio indigestas para quem não atua no campo tratado. Mas nas ciências humanas, às vezes, surgem trabalhos universitários que se deixam ler como livros, despertando interesse no leigo também. 


Como consequência do meu recente interesse em conchas marinhas li dois trabalhos universitários na área de sociologia: a tese de Corbin 1989 e a dissertação de Salturi 2007. O último trabalho trata da vida social do pintor-cientista Frederico Lange de Morretes e o considero leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada na história da paisagem, arte e poder paranaense. Através desse ótimo trabalho, muito bem ilustrado, acabei me apaixonando pelo objeto do seu estudo. Que pessoa intrigante e magnífica foi este Frederico! Deixe-me relatar alguns fatos da vida dele, extraídas da referida dissertação. 


Em 1892 nasceu na cidade de Morretes, como Frederico Lange. O pai dele, um imigrante alemão, foi engenheiro e obteve um cargo de chefia na estrada de ferro Curitiba-Paranaguá (é lembrado pelo nome da estação de trem Engenheiro Lange). Assim, Frederico morou dos 2 aos 9 anos num dos locais mais lindos do Paraná, bem próximo à atual Casa do Ipiranga, onde o histórico Caminho de Itupava se cruza com a estrada de ferro. A infinita paixão daquele homem pela natureza paranaense nasceu e cresceu no paraíso! 
Ainda criança, de 1907 a 1910, Frederico teve aulas de desenho e pintura de Alfredo Andersen, o imigrante norueguês que hoje é chamado “o pai da pintura paranaense”. De 1910 a 1920 o nosso jovem permaneceu na Alemanha, onde estudou desenho, pintura e zoologia. Ali se casou, em 1917, com Bertha, uma cantora lírica e parenta próxima do famoso compositor Richard Strauss (1864-1949). 


lange2A primeira filha do casal, Berta (sem o “h” da mãe), nasceu em 28 de junho de 1917, dois meses depois do Brasil ter rompido as relações diplomáticas com o bloco germânico (assim o Brasil se tornou inimigo da Alemanha). 


Na Alemanha, Frederico percebeu que o seu sobrenome, Lange (que significa: pessoa alta), está entre os mais comuns naquele país. Nas aulas de zoologia aprendeu que um nome bom, além de ser descritivo, tem de ser discriminante (o que “Lange” não é, pois a maioria dos alemães são altos) e também prático (por esta razão gêneros muito ricos em espécies tendem a ser subdivididos).



Assim, no seu retorno ao Brasil ele tomou uma atitude corajosa: mandou um cirurgião especializado mudar o seu gênero num subgênero! Seu pai Rudolf não aprovou, mas se continuasse vivo, hoje teria falado que Frederico agiu bem, pois em apenas duas gerações o sobrenome Lange de Morretes ganhou destaque, pelo grande contribuição do filho às artes e à zoologia e também pelo trabalho da neta, Berta, que hoje está entre as biólogas mais ilustres do país (a) (veja: http://noticias.r7.com/vestibular-e-concursos/noticias/professora-mais-velha-da-usp-tem-93-anos-20110526.html?question=0 ). 


langeA maioria das pinturas de Frederico Lange de Morretes retratam paisagens paranaenses sem a presença de seres humanos (como é o caso nas minhas “Cartas da mata”), o que não significa que ele viveu como monge. Na realidade, todo homem de carne e osso necessita de uma musa para se inspirar e Lange teve pelo menos duas ao longo da sua vida de artista-cientista. Já que ambas as mulheres eram muito mais novas que ele, ele lhes dedicou um amor paternal, mas sem dúvida se sentiu atraído por elas também. A primeira foi Erna, imigrante tchecoslovaca de origem rural, que lhe serviu de modelo de 1927 a 1930. Frederico era muito preocupado com a devastação das florestas de araucária, o que ele expressou em palavras, (b) mas também na tela “Alma de Floresta”, de tamanho enorme (cerca de 3 x 2 m) e produzido no período de 1927 a 1930 (em 1930 foi adquirida pela Assembleia Legislativa de Curitiba onde pode ser admirada até hoje) (c). Neste quadro magnífico, Erna se prostra sobre o toco de um pinheiro recém-abatido, na intenção de morrer junto à árvore. Na imagem, o seu corpo nu permanecerá aderido ao toco para sempre, sendo colado pela seiva grudenta misturada às lagrimas.(d) Aquela morte acabou sendo quase ‘verdadeira’, pois Erna resolveu retornar à terra natal. Segundo alguns críticos, aí acabou a melhor fase artística do nosso pintor. 


Pessoas muito sensíveis (como todos os bons artistas), quando sensatas desenvolvem um campo de interesse paralelo. Assim, quando ficam feridas ou decepcionadas numa área (sempre ocasionado por indivíduos da nossa própria espécie) poderão continuar numa outra, para tentar voltar quando a ferida for curada ou a decepção superada. Já que Frederico tinha estudado zoologia, a partir deste momento começou a se dedicar ao estudo de moluscos. Ele se entregou de corpo e alma ao novo campo e não tardou para ser convidado a trabalhar no Museu Paulista, onde ingressou em 1936. Foi naquele prédio que ele conheceu Maria Aparecida (“Cidinha”), a auxiliar do Museu que datilografou os seus manuscritos científicos e literários e que se tornou uma segunda musa. 


Em 1940 Frederico saiu daquele emprego e voltou a pintar a todo vapor em 1942, após uma década inteira de descanso e recargo artístico (apenas em 1934 produziu alguns quadros). Em 1946 retornou definitivamente ao Paraná, enquanto a sua esposa e os filhos permaneceram em São Paulo, já que todos estavam trabalhando e estudando ali. Foi depois desta volta à terra natal que ele publicou, nos Arquivos do Museu Paranaense, o seu mais importante trabalho sobre moluscos brasileiros: um catálogo geral (Morretes 1949) e uma adenda a este catálogo (Morretes 1953a). Durante a sua carreira científica, ele descreveu várias espécies de moluscos novos para a ciência e a última delas foi nomeada Thais mariae (Lange de Morretes 1954a). Conheço T. mariae muito bem, pois não é rara na margem lodosa da Baia de Paranaguá.


Thais-mariaeCuriosamente, a sua concha abandonada é sempre habitada por um ermitão (Decapoda - Anomura), que vive no seu interior sem querer ser vista. Creio que Frederico teve um motivo especial na escolha desta espécie para imortalizar a sua musa: conseguiu se enxergar como o cientista ‘ermitão’ que secretamente habitava a alma desta jovem.(e) Na última fase da sua vida, Frederico foi um “contratado” do Museu Paranaense, muito bem pago, assim pode desenvolver grande atividade de campo na área de Malacologia. Entre os seus colegas no museu estava o paleontólogo Frederico Waldemar Lange (diretor da Seção de Mineralogia e Geologia) e ainda havia o entomólogo Frederico Lane, de São Paulo, publicando regularmente nos Arquivos do Museu Paranaense também. Menciono este detalhe apenas para evitar que estes três Fredericos sejam confundidos. 


Lange de Morretes fumava como uma locomotiva, o que acabou destruindo os seus pulmões. No último ano da sua vida ele teve dificuldades até em subir os degraus para sua sala de trabalho no Museu Paranaense (ficava na Rua Buenos Aires N.˚ 200, no bairro Batel) e acabou morrendo demasiadamente cedo.

Ele repousa no cemitério de Morretes, ao lado direito de quem entra, no canto extremo do muro divisório entre a antiga e a nova parte. A sua cova pode ser enxergada de longe, pois nela cresce um palmito-jussara (Euterpe edulis), de frutificação farta. Na cova vegeta também um lindo exemplar de guaimbê (Philodendron bipinnatifidum) e a sua margem é ornamentada com uma fileira de conchas vazias do jatutá, grande caracol nativo do gênero Megalobulimus, tratado na sua última publicação (Morretes 1954b).(f) Conforme o seu desejo, foi enterrado em pé, com o rosto voltado para o amado Pico Marumbi, que ele teve o prazer de escalar em 1928, com o amigo e cineasta João Baptista Groff. 

Lendo sobre a vida desse homem grandioso, me veio à mente uma pergunta intrigante. Por que, em toda esta vastidão de natureza exuberante e inspiradora do litoral norte paranaense englobando Antonina, Guaraqueçaba e Morretes, somente o município de Morretes tem gerado e alojado artistas consagrados? Uma das razões pode estar no fato que até a poucas décadas as primeiras duas cidades permaneceram meio isoladas, tendo pouco contato com os grandes centros comerciais e intelectuais (Curitiba e Paranaguá), pois um escritor pode se tornar conhecido somente quando consegue publicar seu trabalho e um artista plástico só consegue se sustentar expondo e vendendo algo da sua produção. Creio que esta seja a razão da produção artística de Antonina e Guaraqueçaba ter se dirigido principalmente às manifestações populares: o Carnaval em Antonina e o fandango em Guaraqueçaba (existe em Morretes também), sem maiores preocupações em criar obras ‘eternas’ (veja Tabela 1). 


Pessoalmente gosto demais da vista da silenciosa baía de Guaraqueçaba e Antonina e das ruínas do complexo Matarazzo. Não entendo como estas duas cidades conseguem permanecer tão tranquilas nos mesmos dias em que Morretes se enche de turistas. Sei que em Morretes o turismo maciço do fim de semana está começando a incomodar alguns residentes mais sensíveis e concordo com Valério (2011) que se esse município não se cuidar, a totalidade da classe artística acabará migrando para as, ainda pacatas, cidades de Antonina e Guaraqueçaba. 

Tabela 1
Artista Ano do nascimento e da morte
William Michaud 1829-1902 Vevey (Suiça) + 
José Gonsalves de Moraes 1849-1909 Morretes++ 
José Francisco da Rocha Pombo 1857-1933 Morretes++ 
Domingos Virgílio Nascimento 1863-1915 Guaraqueçaba + 
Ricardo Pereira de Lemos 1871-1932 Morretes + 
Manoel Azevedo da Silveira Netto 1872-1942 Morretes+++
João Zanin Turin 1878-1949 Morretes + 
Frederico Lange de Morretes 1892-1954 Morretes+++
Theodoro de Bona 1904-1990 Morretes +
Sinibaldo Trombini 1909-1992 Morretes+++
Lúcio Borges 1916-2000 Morretes+++
Arlindo de Castro 1918-1967 Muzambinho, MG
Eros Maichrowicz 1941-2013  Morretes +
Mirtillo Trombini 1919 Morretes + 
Claus Luiz Berg 19.. Antonina + 
Carlos Alberto Xavier de (‘Nego’) Miranda 1945 Curitiba + 
Liz Szczepanski 1946 Campo Largo, PR ++ 
Eduardo Nascimento 1951 Antonina ++ 
Carlos Eduardo Zimmermann 1952 Antonina + 
Geraldo Leão 1952 Antonina + 
Isaurina Maria Valério (‘Sarika’) 1960 Natal, RN + 
Daniel William Conrade 1983 Morretes ++ 
Marcelo da Cruz Fernandes da Conceição 1986 Antonina + 
(1)  Município nativo Morretes
(2) Antonina Guaraqueçaba 
(1) Foram incluídos na tabela somente os artistas com mais que dez anos de residência nestes municípios. Assim, foram excluídos Júlio Alvar, Miguel von Behr, Carlos Renato Fernandes , que realizaram lindos trabalhos de desenho (Alvar & Alvar 1979), fotografia (Behr 1998, Fernandes 2003) , em Guaraqueçaba (Alvar, Behr e Fernandes) e Morretes (Fernandes e Maichrowicz). 
(2) Fonte: Hunzicker (s.d.) e outros.

A lista de nomes na Tabela 1 não deve ser completa; se você tiver dados complementares, me mande, por favor. 

(a) Ela continue bastante lúcida, como mostrou numa entrevista com Salturi (2007) feita em dezembro de 2006. Seguem exemplos de algumas respostas (BLM = Berta Lange de Morretes) às perguntas (LAS = Luis Afonso Salturi): 
LAS – Como a sua mãe encarou a morte de seu pai? 
BLM – Como toda e qualquer pessoa de uma família bem estruturada – com tristeza. 
Esta pergunta é idiota. Parece de um jornalista recém-formado, sensacionalista, que é chamado foca. 
LAS – Os seus pais passaram para os filhos essa aproximação com as artes, já que vocês seguiram carreiras científicas? 
BLM – Sim. Todos os filhos gostam de arte: música, desenho, pintura e escultura, e, detestam cantores contorcionistas e ginastas, bem como
metaleiros e pichadores. Para nós, arte é algo sério! 


(b) ”O Pinheiro representa botanicamente árvore que veio do passado. Se cuidados não forem tomados, tende a desaparecer da nossa vegetação, apesar de ainda hoje cobrir grandes regiões do Estado sulino. A devastação dos pinheirais assusta todos os homens sensatos, especialmente os cientistas e artistas. Não são poucas as advertências, as súplicas e as lamentações feitas em prosa, verso, música e pintura.” (Morretes 1953b). 


(c) Quem quer ver este quadro, que está na Salão Nobre (fechado) da Assembléia Legislativa do Paraná, pode telefonar ou escrever para o Ceremonial (fone 41-3350.4007; e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)) e marcar um horário para a visita. 


(d) Não há dúvida de que a mulher retratada neste quadro seja Erna; veja Assembléia Legislativa do Paraná 1992 (citado em Salturi 2007: 173). 


(e) ”Thais (Thaisella) mariae sp.n. é nomeada em homenagem a Maria Aparecida de Faria Cardoso, grande e incansável colaboradora e credora de toda minha gratidão.” (Morretes 1954a). 


(f) Neste ultimo artigo, escrito em linguagem jornalística, ele mostra que naquela época Megalobulimus era muito abundante no litoral, inclusive em torna das residências. Lamentavelmente, hoje foi quase totalmente substituído pelo exótico Achatina fulica, introduzido no Brasil em 1988. 

AGRADECIMENTOS 
Estou muito grato aos amigos Elisabeth Lemes e Eric Hunzicker, de Morretes, por terem me informado a respeito da dissertação de Salturi. 

REFERÊNCIAS 
Alvar, J. & J. Alvar. 1979. Guaraqueçaba, mar e mato. UFPR, Curitiba. 2 Vol. (Vol. 1: p. 1-207; Vol. 2: lâminas 1-233). 
Assembléia Legislativa do Paraná. 1992. Alma da Floresta: Lange de Morretes (1930). Curitiba Cultura. (folheto). 
Behr, M. von. 1998. Guarakessaba Paraná - Brasil: passado - presente - futuro. Empresa das Artes, São Paulo. 143 pp. 
Corbin, A. 1989. O território do vazio : a praia e o imaginário ocidental (Translated by P. Neves from the original [Le territoire du vide : L’Occident et le desir du rivage (1750-1840). Aubier, Paris. 1988]). Companhia das Letras, São Paulo. 385 pp. 
Fernandes, C.R. 2003. Floresta Atlântica: Reserva da Biosfera = Atlantic Rain Forest: Biosphere Reserve. Edição do autor, Curitiba. 299 pp. 
Hunzicker, E.J. [Sem data]. Morretes, terra de personalidades. Prefeitura de Morretes, Secretaria de Turismo e Cultura. (folheto). 
Morretes, F.L. de. 1949. Ensaio de Catálogo dos moluscos do Brasil. Arq. Mus Paranaense 7: 5-216. 
Morretes, F.L. de. 1953a. Adenda e corrigenda ao Ensaio de Catálogo dos moluscos do Brasil. Arq. Mus. Paranaense 10: 37-76. 
Morretes, F.L. de. 1953b. O pinheiro na arte. Ilustração Brasileira, Ed. Comemorativa do Centenário do Paraná, (Rio de Janeiro), ano XLIV, n. 224. 
Morretes, F.L. de. 1954a. Nova Thais do Brasil. Arq. Mus. Paranaense 10: 339-342. 
Morretes, F.L. de. 1954b. Sobre Megalobulimus paranaguensis Pilsbry& I[h]ering. Arq. Mus. Paranaense 10: 343-344. 
Salturi, L.A. 2007. Frederico Lange de Morretes, liberdade dentro de limites: trajetória do artista-cientista. Thesis, M.Sc., Universidade Federal do Paraná (Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes), Curitiba. 255 pp. Disponível em:  http://www.pgsocio.ufpr.br/docs/defesa/dissertacoes/2007/Luis-Afonso-Salturi.pdf
Valério, L. 2011. Porque conhecer Morretes? Em: Conrade, D. Luz: arte& poesia morretense. Edição do autor, Morretes, pp. 127-133. 

(André de Meijer, 13 de abril de 2012) 

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Curitiba possui 30 Parques e cerca de 81 milhões m² de área verde preservada. São 55m² de área verde por habitante, três vezes superior ao índice recomendado pela Organização Mundial de Saúde, de 16m². No Brasil, é a cidade onde a Mata Atlântica é melhor preservada. 

Com aproximadamente 400 espécies identificadas na cidade, entre nativas, migratórias e exóticas, segundo livro publicado pela Prefeitura Municipal de Curitiba, iniciamos nossas passarinhadas nestes Parques, queremos lembrar que não se trata de um trabalho científico e sim o registro da nossa paixão pelas aves.


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